A tarefa de projeto, independente da tipologia arquitetônica, envolve um vasto conhecimento de várias disciplinas e normativas, além de exigir um trabalho multidisciplinar com outras ciências, principalmente a engenharia em seus vários ramos.
É na fase do projeto, através da aplicação do conjunto de Normas Técnicas, que são definidos os parâmetros de qualidade, segurança e normalidade de qualquer edificação a ser construída. No quesito particular de segurança, a prevenção de incêndio tem um papel fundamental na vida útil de qualquer edificação, já que sinistros pôr fogo normalmente acarretam a perda de vidas e de patrimônio.
Desde a promulgação da Lei 14.376 em 26 de dezembro de 2013, mais conhecida como Lei Kiss, nunca se discutiu tanto no âmbito da Arquitetura as questões relacionadas a prevenção de incêndio, expondo uma dura realidade: a maioria dos nossos projetos e edificações não estavam apresentando um nível de segurança satisfatório, quer seja por desconhecimento da Normativa a ser aplicada, portanto falha de projeto, ou mesmo por lacunas na legislação que estava sendo aplicada e na sua fiscalização.
Certamente, a maioria dos Arquitetos pensava que esta temática se reduzia a alguns poucos sistemas de combate a incêndio, prescritos no Rio Grande do Sul, através de dois regulamentos: Lei no 420 de1998, que vigorava somente no Município de Porto Alegre, e a Lei 10.987 de 11 de agosto de 1997, que vigorava no restante do Estado.
Questões relacionadas a medidas de proteção passiva, que são medidas incorporadas ao edifício e que não necessitam de um acionamento para desempenharem sua função num incêndio como: segurança estrutural em condição de fogo, controle de materiais de acabamento e revestimento-CMAR, compartimentação horizontal e vertical, controle de fumaça, não faziam parte do vocabulário recorrente dos arquitetos, salvo raras exceções.
A única medida passiva deste grupo que era executada, segundo a legislação em vigor na época, eram as saídas de emergência. As mesmas, na maior parte dos casos apresentavam erros de projeto, mais por falta de conhecimento da legislação do que por falta de capacidade projetual e até mesmo por falta de fiscalização e falhas de análise dos órgãos públicos. O fato é que, estas medidas nunca foram pauta dos projetos de arquitetura, até o advento da entrada em vigor do novo regramento a partir de 2013.
A nova legislação, prestes a completar 6 anos, vem introduzindo gradativamente novas exigências. A Resolução Técnica de transição de 02 de agosto de 2015, (depois substituída pela de 2017) trouxe para o centro do regramento as Instruções Técnicas do Corpo de Bombeiros do Estado de São Paulo, determinando sua aplicabilidade nos sistemas de prevenção e combate a incêndios.
Desta forma, o projeto de arquitetura passou a dialogar com outras exigências a qual a maioria dos arquitetos nem sabiam de sua existência e aplicabilidade, apesar de termos toda uma Normativa Técnica da ABNT regulando esta matéria.
No caso das medidas de Proteção Ativa, constituídas por instalações que necessitam de um acionamento manual ou automático para garantir seu funcionamento num incêndio, (Iluminação de emergência, Detecção, Alarme, Sinalização, Extintores, Hidrantes, Chuveiros automáticos, etc.), e que eram de conhecimento dos projetistas, as mesmas passaram a contar com um outro enfoque, sob a ótica da nova legislação constituída pelas Resoluções Técnicas do CBMRS e mesmo a referência direta as Normas ABNT e/ou Instruções Técnicas do CBMSP (Corpo de Bombeiros do Estado de São Paulo).
Atualmente, por força do artigo 5o da Lei 14.376, que obriga a apresentação do APPCI (Alvará de Prevenção) ou do CLCB (Certificado de Licenciamento) para emissão de licenças de funcionamento, o PPCI passou a ter uma importância fundamental na fase inicial de lançamento dos Projetos de Arquitetura. É nesta etapa que se decide a geometria, fluxo e traçado das circulações, tipologia, materiais, sistema estrutural, vedações e demais itens que irão compor a futura edificação, e, portanto, é nesta fase que definimos a aplicabilidade das medidas de proteção passiva que compõem o conceito de prevenção de incêndio das edificações.
Assim sendo, o projeto de arquitetura tem relação direta com a prevenção de incêndio, podendo aumentar ou diminuir o risco de uma edificação. São as decisões arquitetônicas que vão determinar a carga de incêndio através dos materiais, revestimento e mobiliário proposto, além da contribuição dos demais itens que compõem esta carga.
É de fundamental importância, que os projetistas tenham em mente, que os layouts de distribuição dos espaços, as tipologias de fachadas, afastamentos, posicionamento de aberturas, dutos internos, posição de circulações e outras decisões de projeto podem facilitar ou dificultar evacuações e principalmente a propagação de fumaça nos ambientes.
O entendimento da dinâmica do fogo e da prevenção e combate a incêndio, passa a ser matéria de suma importância para o projeto, devendo ser incorporado na grade curricular dos cursos de Arquitetura, conforme prevê o artigo 8o da Lei Federal 13.425, de 30 de março de 2017, para que a cultura prevencionista se sobressaia a cultura de combate, esta sim, dependente das medidas de proteção ativa e dos conhecimentos de engenharia.
Portanto, a tarefa de prevenção é uma disciplina da Arquitetura e do projeto. As decisões que tomamos a este respeito vão impactar diretamente na avaliação de risco de cada edificação e na segurança almejada para todos os usuários.
Celestino Rossi Arquiteto e Urbanista
Associado ASBEA-RS
Especialista em Segurança contra Incendio e Pânico em edificações e áreas de Risco.
Certificado Ex A-002- Classificação de Áreas – ABENDI
Membro da NFPA – EUA
Representante do SINDUSCON-RS no COESPPCI